Evangelho segundo Erdogan
- João Seixo
- 18 de jul. de 2016
- 3 min de leitura
Há coisas que não gostamos. Há outras que gostávamos que acontecessem. O Erdogan queria uma purga, nós também. Acho que se enganaram no resultado. Deviamos pedir repetição.
A vida tem destas coisas. Três a caminho de quatro coups militares em pouco tempo na Turquia. Mas ficamo-nos pelo “a caminho” nesta sexta-feira dia 15. Admito, foi daquelas coisas que me apanhou de surpresa. Ninguém previu 2016, bem se calhar só os teóricos da conspiração. Se calhar deviamos encomendar um desses chapéus de alumínio para a inspiração, e também para a NSA parar de ler isto que escrevemos. Mas falemos de coisas sérias. Sérias? Esta teve piada. Aquilo está uma palhaçada autêntica. Uma pequena fação militar toma de assalto Ancara e Istambul afirmando ter tomado conta do país e obriga a um recolher obrigatório estabelecendo uma lei marcial. Do outro lado da moeda, na CNN turca, um presidente, ao skype com uma repórter, insta as pessoas a saírem às ruas e lutarem contra os militares que ameaçam a democracia com as suas mensagens de direitos humanos e liberdades pessoais. E não é que as pessoas saem, deitam-se à frente dos tanques, tiram selfies com os soldados e os blindados, até roubam os veículos militares? Até parece saído do filme Graystate. Exceto que não estamos nos EUA. Nem o realizador foi assassinado. Nem vivemos numa distopia. Oh.. Turquia. Pois é. Distopia. Ditadores e cenas. Erdogan e afins. Mas o enredo está estranho. Neste filme, chamado realpolitik, vemos um país a dar livre passagem a terroristas islâmicos na Síria. A comprar petróleo ao Daesh. A abater um caça russo. A fuzilar curdos em Diyarbakir e a financiar a Al-Nusra e o Daesh para combaterem os mártires do YPG e YPJ em Rojava. Mas a vida tem destas ironias. Temos uma revolução secularista feita umas décadas atrás para preservar o país de se tornar islamista. E do outro lado temos um islamista a absorver poderes e a afastar adversários. RIP Gulen, RIP HDP. Demasiadas incógnitas nesta situação. Enfim, para ajudar à mistela temos americanos a negociar com turcos o uso da base aéria de Incirlik e a apoiar curdos na Síria. Juntemos um exército predominantemte secularista que foi sofrendo purgas mas que ainda tem bem vívida na memória o seu principal objetivo de impedir a islamização do país. Oh Erdogan, as alhadas que achaste aí no meio. E agora esta coup. Já não bastava haver perseguição a jornalistas, deputados e ativistas, agora temos uma fação das forças armadas a armar um golpe de estado no segundo mais importante país da NATO e o mais importante da região. Isto até já parece a Eastern Question - Revisited. Estranho, estranho é mesmo o que aconteceu. Ainda poucos dias antes manifestações corriam o país contra Erdogan. Agora os populares ergueram-se contra os arautos da fraternidade, igualdade e liberdade. Mas como a noite é para a festa, porque não sair em grande? Bombardeando o parlamento, atropelando civis com os tanques, abatendo polícias, linchando militares em público. E agora o resultado é certo. Erdogan tem o que queria, que bela “coincidência” a favor do AKP. Um pretexto para se afirmar e continuar a sua campanha expansiva e repressiva. Purgando o que resta do exército e do sistema judiciário e político. Nada o impedindo assim de se tornar no grande sultão que sempre sonhou. Fight for your dreams boy! Longo viva o Sultão, que a sua vida seja tão tranquila e positiva quanto o seu altruísmo pelo seu povo curdo.

Comments